Como administrar situações em que líder e liderado não se gostam?

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Imagine a seguinte situação: você está começando em um novo emprego, se relaciona bem com os colegas da equipe, mas com o passar do tempo percebe que o mesmo não acontece com o seu líder – e vice e versa. Começa, então, uma relação delicada, muitas vezes, com perseguição, implicância e, consequentemente, baixa produtividade e resultados negativos.

Em algum momento da vida, você como líder ou como liderado já deve ter passado por tal experiência. Mas, o que fazer, sobretudo se, justamente aquele com quem não temos afinidade é um excelente profissional dentro da empresa? Como identificar esse problema? A melhor solução é demitir, tratar mal ou ignorá-lo?

Para ajudar a resolver e a administrar tais questões, consultamos profissionais especializados no assunto. Acompanhe e boa gestão!

O PRIMEIRO CONTATO
Dizem que a primeira impressão é a que fica. Será? Muitas vezes, no primeiro contato a gente simpatiza com o outro, mas com o passar do tempo, percebemos que não é bem assim. Para prevenir esses possíveis atritos na relação é importante que o gestor esteja presente desde a primeira etapa do processo seletivo, sugere a mestre em comunicação, professora da Fundação Vanzolini e autora dos livros “Seja assertivo” e “Tenha calma”, Vera Martins. Para ela, o mais produtivo em o gestor participar do processo seletivo, é que sua presença o torna responsável pela manutenção do profissional na empresa. “O ser humano precisa sentir que tem autonomia nas suas escolhas para assumir responsabilidade pelos seus atos e comportamentos. Dessa forma, o gestor não poderá culpar o RH pela má escolha de um profissional, ao contrário, gestor e RH serão parceiros no processo seletivo”, opina.

INDICADORES
Muitas vezes, líderes e liderados não externam tal problemática, no entanto, as consequências da má relação podem aparecer nos resultados da equipe. Mas, como identificar esse problema entre líderes e seus colaboradores? Ainda de acordo com Vera Martins, existem indicadores que dão os sinais de conflitos mal resolvidos em um ambiente de trabalho. “Não atingimento das metas, time sem autonomia e desmotivado, comportamentos passivos, agressivos e dissimulados, alto índice de rotatividade etc... No geral, esses distúrbios/conflitos podem ser constatados principalmente por meio de pesquisa de clima organizacional, sistema de avaliação de performance 360º, observação direta no local de trabalho e avaliação dos indicadores citados acima”, orienta a professora da Fundação Vanzolini.

Para evitar esses comportamentos, ela recomenda uma comunicação assertiva entre gestor e equipe, com o alinhamento de expectativas e feedback positivo sempre que necessário. “Deixar de expressar o que nos incomoda pode se transformar em gatilhos de fortes conflitos, por isso, é importante que, tanto o gestor quanto o colaborador se posicionem de forma assertiva e generosa um com o outro para limpar o espaço e permitir que a razão reine nas relações profissionais com calma. Assim, os dois lados se sentirão bem resolvidos”, garante e complementa Vera Martins sobre o posicionamento do RH: “O RH não deve ser punitivo e sim orientador, e juntamente com a gestão da empresa deve ter poder de interferir e desenvolver em um plano de ações diversas que desenvolvam as competências de gestão de pessoas desse líder em questão”, destaca.

A POSTURA DO LÍDER
Existe o agravante de, em determinadas situações, o líder não gostar do funcionário, mas reconhecer que este é um excelente profissional. Segundo Vera Martins, nesses casos, o líder imaturo e inseguro provavelmente adotará a atitude mais fácil que é desligar o funcionário, podendo ou não usar do assédio moral para minar o emocional do funcionário, tornando-o um incompetente para justificar a demissão. “Já um líder maduro e seguro, ao contrário, sabe muito bem separar as coisas; não se deixa ser dominado pelas emoções negatiserão suas escolhas, sem perder de vista os objetivos a serem atingidos. Ou seja, trata-se do diálogo genuíno baseado no respeito às individualidades.

“[...] Gerar entendimento é aprofundar conhecimento e aprender a não repetir. É papel da liderança ter a iniciativa de gerar entendimento”
DANIEL MALDANER, CONSULTOR DA MUTTARE


CONTRAPONTO - PROCESSO SELETIVO
“Acredito que não há como identificar esses possíveis problemas durante o processo seletivo. Primeiramente é preciso entender que ‘amor e ódio’ ocorre em uma relação. Isso significa que se não há contato estabelecido durante um período de tempo anteriormente, não há como haver relação estabelecida e, portanto, não existe tempo hábil para construir relação de ódio ou amor. O que geralmente há nos processos seletivos é julgamento a partir de impressões e não de fatos. Muitas vezes candidatos deixam de ser escolhidos não pelo seu potencial ou pelas suas competências, mas sim porque a primeira impressão do gestor é carregada de preconceito e pré-julgamentos. ‘Eu não gostei desse candidato’. O gestor supõe sobre o candidato relembrando eventos passados – ‘esse tipo de comportamento eu já vi antes e não vai funcionar trabalhar comigo’. O foco está no gestor e não na composição da equipe. Muitos gestores ainda escolhem seus funcionários por acharem que possuem características iguais as suas, pois evitam a diferença humana – uma armadilha para a performance da equipe. Uma equipe produz melhores resultados quando os integrantes possuem diferenças entre si: diferenças de conhecimento técnico, de preferências no processo de tomada de decisão e experiências de vida diversas favorecem a composição de uma equipe para alto desempenho. Tal composição pode levar a maiores conflitos caso os integrantes da equipe não tenham desenvolvido a habilidade de trabalhar com as diferenças humanas e o gestor não exercer seu papel de líder de equipe”.

FERRAMENTA | COACHING
Investir em treinamentos de Coaching pode ser uma boa ferramenta para solucionar problemas de relacionamento entre colegas de trabalho. Trata-se de um processo rápido de desenvolvimento de novas habilidades e competências comportamentais, psicológicas, emocionais e profissionais e possui ferramentas e práticas efetivas e eficazes para que pessoas e empresas alcancem resultados extraordinários, vencendo crenças limitantes e sabotadoras, melhorando a comunicação interpessoal. O objetivo do Coaching é criar um ambiente favorável ao desenvolvimento tanto dos profissionais como da organização.

Além disso, o Coaching coloca foco no positivo, então, não será usado como instrumento de desligamento de pessoas da organização e sim como processo de desenvolvimento de talentos, de lideranças, sempre voltado para melhoria.

DESLIGAR OU NÃO O PROFISSIONAL. EIS A QUESTÃO!
Sendo assim, desligar o funcionário não é a melhor solução, até que não interfira no desempenho da equipe. “Acredito que não seja a melhor alternativa, porém se a relação profissional ficar contagiada pelo conflito pessoal é provável que se o chefe não tomar a decisão, o funcionário tomará a iniciativa de sair da empresa. Daí a importância de se desenvolver um líder assertivo que desenvolva pessoas e que dê feedbacks frequentes dos pontos fortes e melhores do colaborador. E, mais: que faça um bom acompanhamento da sua evolução”, justifica Vera.

Para Daniel Maldaner, esse fato é mais comum do que se pensa, afinal, demitir é o mais fácil a se fazer e de menor incômodo ao gestor. “E não é incomum o fato de os gestores colocarem alguns funcionários que não gostam como ‘bode expiatório’ de situações para que sejam percebidos como inapropriados para a empresa. Com isso, conseguem ter justificativas para demissão sem ter que expor os reais motivos: ‘eu não gosto dele’. A empresa pode perder um excelente profissional e o gestor uma bela oportunidade de se conhecer”, reforça o especialista.

Ainda assim, caso a empresa decida pelo afastamento do colaborador, a mesma deve arcar com as consequências dessa decisão, que podem ser, por exemplo, rotatividade, geração de custos com demissão até possíveis processos por assédio moral. “Normalmente, um processo de demissão é um custo indevido à empresa que pode, sim, denotar um erro de seleção ou de gestão, porém não é regra. Como em qualquer relacionamento, por exemplo, o casamento, uma relação profissional pode ter sido extremamente produtiva por um período de tempo e depois acabar por várias razões. Nesse caso, a demissão é salutar. Quero dizer que a demissão faz parte do cotidiano da empresa, porém ela deve ser responsável”, avalia Vera Martins.

A consultora do Instituto Brasil de Coaching, Maria Cristina Moreira, enfatiza que, antes de optar por uma solução tão drástica como a demissão, é necessário que a empresa também faça uma autoavaliação sobre os seguintes aspectos: 

Qual é a política da empresa em relação a manter o funcionário em função do profissionalismo?
Qual é o nível hierárquico do líder para influenciar na decisão sobre a demissão do funcionário?
Qual é o entendimento sobre o conceito "liderança" que a empresa tem? Independente do porte da empresa, qual é o nível de adoção das melhores práticas de gestão?
O custo do desligamento é muito maior que o investimento no desenvolvimento de pessoas?

“Para o Instituto Brasileiro de Coaching, empresas são formadas por pessoas e por acreditar nisso têm como dois de seus valores – humanidade e resultado. A empresa consciente adota uma medida preventiva, como o desenvolvimento de seus talentos”, frisa a consultora do IBC.

SOLUCIONANDO O PROBLEMA
Um momento de reflexão pelo gestor pode ser uma solução para tais conflitos, propõe Daniel Maldaner. Em sua opinião, ser líder de equipe e pessoas não é apenas ocupar um cargo de gestor – é uma escolha que deve ser feita conscientemente. Possui ônus e bônus, mas que, geralmente, gestores buscam os bônus e quando necessitam lidar com situações complexas de relacionamento, como as discutidas acima, preferem se esquivar da responsabilidade. “Liderança exige estudo e principalmente revisão diária de comportamentos e atitudes. Por isso, digo que um primeiro movimento por parte do gestor para solucionar esses problemas é buscar gerar o entendimento do porque existe tal conflito. Se algo ocorreu, algum fato que gerou o conflito, busque com o(s) envolvido(s) o entendimento”, aconselha.

Ele diz que o gestor possui apenas uma visão do fato e gerar entendimento é a principal habilidade para solucionar conflitos. Para isso, é necessário desprendimento de crenças absolutas, real interesse em gerar entendimento e alinhamento com a outra parte e desapego do ego. O pior cenário ainda é quando as partes acreditam que o culpado é o outro e não buscam entender o que ocorreu, quais eram os pensamentos no momento e o que mobilizou a ação para o fato ocorrido.

Ainda segundo Maldaner, esse pode ser também um momento para a “limpeza de lentes”: entendimento e feedback com intuito de eliminar qualquer julgamento e “fantasmas” sobre o que o outro fez ou deixou de fazer. “Este é um excelente momento para construir relação de confiança e aprender a partir da prática diária com a equipe. Gerar entendimento é aprofundar conhecimento e aprender a não repetir. É papel da liderança ter a iniciativa de gerar entendimento”, complementa e finaliza.

SUGESTÕES PARA INFLUENCIAR POSITIVAMENTE SEU GESTOR
1. Pratique empatia com seu chefe, colocando-se em seu lugar e percebendo o seu jeito de ser. Dessa forma, você compreenderá seus motivos e necessidades que o levam a ser como é. Mais, ainda, você adquire informações preciosas sobre as crenças e valores que direcionam os comportamentos do seu chefe e que certamente ajudarão você a criar estratégias adequadas para conquistar a sua confiança e não propor ideias que serão vistas como não pertinentes e não benéficas.

2. Pratique reciprocidade: peça ajuda ao chefe, envolvendo-o em seu trabalho e lhe ofereça ajuda, com suas ideias e conhecimento. Dê o melhor de si, sem egoísmo, pense como parceiro e seja proativo, antecipando as necessidades do seu chefe. Ofereça a ele alternativas que vão beneficiar a ambos os lados – você e ele.

3. Ajude seu chefe a ajudar você: se seu gestor não sabe resolver algum problema que impacta na evolução do seu projeto de trabalho, ofereça a ele suas ideias e permita que ele as incorpore em seu pensamento, apossando-as para si, devolvendo-as em forma de solução ao problema.

4. Não venda suas ideias, pois isso implica que seu chefe terá que pagar por elas e isso pode incomodar sua segurança, opte, então, por mostrar com fatos e dados o quanto as alternativas que você propõe vão ser boas para todos. E, quando o chefe discordar, não entenda que ele é dono da verdade, mas apenas que ainda não foi convencido o suficiente, falta-lhe informações. Assim, dê-lhe as informações faltantes. Pergunte, investigue suas dúvidas e dê novos argumentos, lembrando-se sempre: um argumento eficaz é aquele que não envolve perdas e atende os seus interesses mútuos.

5. Promova o alinhamento constante das expectativas do chefe com relação ao seu trabalho. Procure entender quais são os seus objetivos essenciais porque, provavelmente, estejam lá as boas razões porque ele o escolheu para sua equipe.

6. Seja verdadeiro e sincero. Promova o envolvimento ético com seu chefe, sem dissimulação e manipulação. Como? Elogie-o e diga a ele onde ele pode ser melhor ainda. Peça feedback ao seu chefe para verificar sua sintonia com as expectativas que ele tem de você.

7. O chefe se sente confortável quando percebe que pode confiar no time para se expor e se sentir seguro em suas fortalezas e fragilidades. Quando ele aceita suas ideias é porque ele confia em você. Use uma linguagem empática e de envolvimento. Jamais faça chantagem e crítica, pois isso cria barreiras. Não coloque dificuldade para executar o trabalho e busque soluções que o deixem seguro.

8. Por fim, lembre-se! Gerenciar bem seu chefe com uma postura ganha-ganha pode ser produtivo para todos: você, seu chefe e sua empresa.

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